Os Cantores do Rádio: Agostinho, Casé, Dóris, Dalva, Marlene e Emilinha

Por Fábio Pegrucci
para Os Cães do Parque


Em novembro de 2012, já era possível notar que a colocação de placas alertando contra o abandono de animais e toda a divulgação da ação feita em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente [ LINK ] estava dando resultado. Pelo menos na área de uso público do parque, eventos desse tipo não estavam mais acontecendo.

Porém, na enorme área florestal, precariamente administrada, ainda há locais praticamente desprovidos de vigilância e que parecem "convidar" a esse tipo de prática desprezível. De uma delas, nos chegou o aviso: os vigilantes do parque, os únicos que acessam regularmente o local no meio de uma mata fechada, haviam localizado uma cadela abandonada com filhotes.

No dia 15 de Novembro de 2012, escoltados por dois vigilantes, fomos até lá. 

Nos escombros de uma casa abandonada (que até algum tempo atrás servia de residência para um funcionário), mãe e filhotes aparentando pouco mais de um mês de vida. A ideia era resgatar todos eles, mas, embora tenhamos nos aproximado com cuidado, a cadela, ao nos ver, apavorou-se e saiu em disparada pela mata. Não adiantou chamar, tentar atraí-la: ela nunca mais foi vista. 

Restou recolher os cachorrinhos, quatro fêmeas, dois machos.

Sem nenhum lar temporário disponível (os amigos que vinham nos ajudando com esse tipo de colaboração não tinham, naquele momento, possibilidade de recebê-los), alojamos os viralatinhas no ponto de apoio que utilizamos na área do parque; e eu já sabia: pelos próximos 40 dias, cuidar deles até que estivessem prontos para adoção seria um trabalho diário e exaustivo.

Já faz algum tempo que me caiu a ficha de que promover adoções não leva a coisa alguma, não altera realidade nenhuma - exceto, é claro, a realidade daqueles animaizinhos ali, sendo preparados e encaminhados da melhor maneira possível. Eu não quero mais fazer adoções há tempos: quero que não haja abandono, quero que não existam mais pessoas maldosas e irresponsáveis, quero políticas públicas acessíveis que contemplem os animais, quero as prefeituras castrando cães e gatos em massa. Se pudesse, seria só por essas coisas que eu trabalharia.  

Mas os cachorrinhos estavam ali, necessitando de todo aquele 'protocolo' já aplicado muitas e muitas vezes: abrigo, alimentação, higiene, vacina, castração, etc, etc. 

A única coisa nessa história toda que eu ainda curto - e também a única em que me permito alguma vaidade - é a criação das peças de marketing, principalmente os vídeo clipes, que servem para divulgação das adoções. Já falei sobre isso aqui, em outras postagens. É nessa hora que cãezinhos - viralatinhas abandonados, exatamente iguais a todos os outros - se tornam diferentes: viram 'pets' cobiçados porque são exibidos de forma graciosa, às vezes apelando para a emoção, às vezes apenas de forma divertida.

Tenho vaidade, sim: mas não me acho 'dono' de uma fórmula. Queria (e isso eu também já escrevi aqui outras vezes) era ser copiado, que as pessoas aprendessem um pouco como e porque a coisa funciona. Nos sites de adoção, são tantos bichos anunciados com fotos tenebrosas e textos sofríveis, que, se pudesse, me ofereceria para ajudar as protetoras que os tentam encaminhar. 

Normalmente é durante o convívio diário com os bichos que as ideias surgem, que tema será usado para divulgá-los, que música ilustrará as filmagens. Mas o fato é que eu já cuidava daquelas seis figurinhas há mais de 20 dias sem que nem mesmo nomes tivesse conseguido lhes dar. Quase um mês de muita sujeira pra limpar, muita correria pra veterinário (sempre tem um que fica doente), muita gritaria pra ouvir.

E foi da gritaria deles, uma insistente 'cantoria' que eles faziam em coro, pedindo atenção debruçados na mureta do canil, enquanto eu providenciava os cuidados diários, que nasceu a ideia: usaria "Os Cantores do Rádio", emblemática canção de Lamartine Babo, Braguinha e Alberto Ribeiro, da época 'de ouro' do rádio (composta no final da década de 40, início da de 50, não estou bem certo). E os nomes deles também surgiram da mesma ideia: homenageariam artistas da época. 

Pronto.

Ali não estavam mais seis viralatinhas abandonados, eles agora eram Emilinha (Borba), Dalva (de Oliveira), Marlene, Dóris (Monteiro), Agostinho (dos Santos) e (Ademar) Casé.

Curiosidade: por muito pouco, Casé não se chamou Cauby.

Agostinho
Casé
Dóris
Dalva
Marlene
Emilinha

Para o vídeo clipe, ninguém entendeu quando eu insisti em filmar muitas tomadas deles debruçados na mureta e se esgoelando por atenção. Mas eu já sabia que colocaria a gritaria em pausas da canção várias vezes. 

As cenas do gramado, como não é difícil de imaginar, deram muito trabalho: controlar seis pimpolhos cheios de energia e conseguir fotografá-los e filmá-los custou algumas horas de paciência. Mas conseguimos capturar muitos momentos bons e as meninas todas com vestidinhos deram uma graciosidade a mais ao trabalho.

 Os Cantores do Rádio - o vídeo clipe

A gravação de Cantores do Rádio é de um disco chamado "Lamartiníadas", produzido em homenagem ao centenário de Lamartine Babo, em 2004. Os intérpretes são Alfredo Del Penho, Pedro Miranda e Pedro Paulo Malta. Não conhecia a gravação: a descobri pesquisando na internet e só consegui utilizá-la baixando de um site pago. Mas é como eu queria: contemporânea e alegre.

A canção é maravilhosa, contagiante, para ouvir uma vez e sair cantarolando: pura beleza e otimismo, uma ode ao ofício de cantar. Um tipo de música que quase já não se ouve, que não é moda, que não é sucesso.

Os cãezinhos farreando na grama combinaram perfeitamente com o clima.

Marlene e Emilinha
Casé
Dóris e Dalva
Agostinho

Deixando de lado a parte "artística" da coisa e voltando ao foco - as adoções dos cachorrinhos -, eles foram anunciados no começo de Dezembro e a ideia era que todos fossem adotados antes do Natal. O interesse na adoção deles foi maior até do que os esperado: foram mais de 80 emails, entre os quais selecionamos os lares para os pequenos sem grandes dificuldades. E eles foram todos adotados quase que ao mesmo tempo.

Agostinho e Dóris foram adotados juntos: no dia 20 de Dezembro de 2012, o Leandro e sua família os receberam, na Zona Norte de São Paulo.

O Casé foi adotado pela Giulianna: no dia 22 de Dezembro de 2012, ele chegou ao seu novo lar, em São Caetano do Sul (SP)

A Ana (com todo o apoio de sua irmã, Renata), no dia 22 de Dezembro de 2012, recebeu a Emilinha: ela agora mora na Zona Norte de São Paulo, bem perto do parque onde, um dia, foi abandonada com os irmãos.

Marlene foi adotada pelo Caio e sua esposa, no dia 22 de Dezembro de 2012 e agora mora na Zona Sul de São Paulo.

A Dalva também foi adotada do dia 22 de Dezembro de 2012: na Zona Sul de São Paulo, o Carlos, sua esposa e filhos a receberam.

Famílias felizes que já passaram Natal e Ano Novo com seus cachorrinhos e nós, exaustos após o cumprimento de mais uma longa tarefa.

Temos notícias periódicas de todos eles, e sabemos que todos estão bem, já crescidos, saudáveis e felizes. Exceto a Emilinha (que virou "Lucy"), todos mantiveram seus nomes "artísticos".

Sobre a homenagem aos artistas "do passado", é claro: muito pouca gente entendeu (ah, sim: os avós do Leandro, que adotaram Dóris e Agostinho, talvez tenham sido os únicos que entenderam o significado de cada nome).

Mas não tem problema, não: parafraseando aquele famoso lema do BOPE, "missão dada é missão cumprida". E se é possível tirar dela algum prazer, tanto melhor.


Agradecimentos especiais: Nanda e Vanessa, que auxiliaram na mega operação de entrega de cachorrinhos no dia 22 de Dezembro.

Um comentário:

  1. Olá,
    Meu nome é Giulianna, e minha família foi uma das que adotou um desses "artistas". Queria compartilhar aqui minha experiência com "Os cães do parque". Sempre entrava aqui no site pra ver se já tinham colocado a foto do dia em que o Casé chegou aqui em casa, e qual foi minha surpresa quando entrei e vi essa bela história. Fiquei até emocionada em vê-lo com a gravatinha de 'Feliz Natal' no dia em que ele veio, e ver como era pequenininho e medroso (não que ele seja muito bravo e corajoso agora, mas digamos que fizemos algum progresso...)
    Esse é nosso primeiro cachorro. Confesso que, no momento em que o Casé foi colocado no meu colo, eu fiquei um pouco assustada, pois nunca tive a experiência de ter uma animalzinho em casa. Mas devo dizer que foi uma das melhores coisas que já aconteceram na vida da nossa família. Apesar de todos os chinelos e meias comidos, dos tapetes roídos, dos gastos e muitas preocupações com a saúde dele; o amor que sentimos por um bichinho assim e a maneira como ele retribui são imensos e inexplicáveis!
    Gostaria de agradecer a todos vocês por realizarem um trabalho tão bonito! Eu concordo com tudo o que você falou, Fábio, mas também acho que, enquanto as coisas não mudam, são pessoas como vocês que ajudam a tornar a realidade menos cruel e a divulgar e a batalhar por essa causa.
    Agradeço a você, à Soraia, que foi o meu contato ao longo do processo de adoção, e a todas as pessoas envolvidas em todo o processo. Vocês certamente são abençoados por terem tanto amor e respeito pelos animais!

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