A Caixa

por Os Cães do Parque 


No final da tarde do dia 12 de Setembro de 2010, um domingo de muito calor, estávamos saindo do parque, que havia estado cheio de visitantes durante todo o dia, quando vimos dois meninos andando com filhotinhos de cachorro nas mãos. Imediatamente os indagamos, para saber de onde tinham saído aqueles filhotes e se eram deles. E as crianças nos informaram e nos levaram até a "fonte": na calçada, rente ao portão principal do parque, uma caixa de madeira havia sido deixada lotada de filhotes que aparentavam pouco mais de 30 dias de vida. 

Uma folha de papel sulfite grudada à caixa, escrita em computador, dava um recado revoltante: "doa-se cachorros, favor retirar".

Nervosos, tentamos investigar para saber quem era o responsável por aquela patifaria. Na frente do parque, lotada de vendedores ambulantes, guardadores de carro e transeuntes, ninguém sabia informar direito, aparentemente ninguém vira nada.

- Foi um japonês, ele já vai voltar.
- Foi um boliviano. Ele deixou aí e foi embora.

Pelo cheiro exalado pela caixa, com o fundo coberto de excrementos, era claro que ela estava ali há horas. Os dez filhotes, desesperados, desidratados e famintos, subiam uns sobre os outros na tentativa de sair de lá. E ninguém vira nada. Pior, ninguém se importava.

Tiramos os cães das mãos das crianças e tratamos de tomar para nós o controle da situação - e a posse dos cães. O tempo passava e ninguém aparecia - nem japonês, nem boliviano ou quem fosse o possível dono dos cachorrinhos. Ignorar os desesperados filhotes era impossível. No parque, não havia ninguém que nos pudesse auxiliar: com a diretora ausente, ninguém poderia autorizar que os abrigássemos, ainda que provisoriamente, em algum local lá dentro.

Começava a anoitecer e a frente do parque começava a esvaziar. Nessa altura, fizemos algo do que nos arrependeríamos depois. Permitimos que dois dos filhotes fossem levados por pessoas que nos pediram. Um adolescente muito educado nos garantiu que já havia pedido autorização para os pais e levou um filhote macho. Uma família - pai, mãe e filha - gostou de uma cadelinha de pelagem clara, a pegaram no colo e abraçaram sem se importar com o cheiro que exalava, agradeceram e a levaram.

Ainda assim, restavam em nossas mãos, 8 filhotes - e ninguém, além de nós, para evitar que simplesmente ficassem ali, naquela caixa, na calçada, até morrerem. 

Pelo celular, localizamos a protetora Esther Rodrigues. Havíamos conhecido a Esther pouco tempo antes e ela é o que, algum tempo depois, passaríamos a chamar de "protetora tradicional": uma de tantas senhoras que dedicam a vida a resgatar e tratar animais de rua, acolhendo-os, da maneira que podem, dentro de suas próprias casas.

Ela aceitou recebê-los. Colocamos a caixa mal cheirosa no porta-malas e fomos para a casa dela. 

Lá, examinando-os com a experiência de quem já viu milhões de filhotes, Esther atestou que os cachorrinhos - 4 fêmeas e 4 machos - tinham em torno de 60 dias de vida e que poderiam ser imediatamente castrados, procedimento do qual ela não abriria mão, para encaminhá-los para adoção. Nem nos passava pela cabeça que cães tão novinhos pudessem ser castrados, nem tampouco compreendemos de imediato a absoluta obrigatoriedade daquilo.

Primeiras fotos no abrigo: em breve, eles seriam a Nikita, o Platão e o Bob.


Ela também providenciaria que recebessem a primeira de três doses da vacina V10 - que imuniza os cães contra as principais viroses. 

Combinamos com a Esther de cobrir as despesas com castrações e vacinas, de fornecer rações, vermífugos e produtos de limpeza, além de tentar viabilizar as adoções.


Em 02.10, por contato do twitter, a Alessandra (@lika_mt) adotou o cachorrinho e o batizou como "Platão".

Nos dias que se seguiram, ao entrar e sair da casa da Esther para visitar e fotografar os filhotes, levar os produtos e os valores combinados, convivendo com seus assuntos, suas muitas histórias e dificuldades e também com as dezenas de cães que ela abriga da forma que pode, aprendemos praticamente tudo o que sabemos sobre preparar e encaminhar cães para adoção. 

A postagem no twitter coincidia com o Dia de São Francisco (e também Dia dos Animais): eles seriam todos adotados.

Os caminhos para se conseguir castrações a baixo custo (e a absoluta necessidade do procedimento) e a importância de se ter um documento assinado pelo adotante, foram coisas que aprendemos com a Esther. Observando, aprendemos também pelo sentido contrário, concluindo o que nós não deveríamos fazer. 


Adoções em 09.10, a Ana e a Mika Lins com o Bob e a Aiko, filha da Márcia Yoshinaga , com o Toby.

Dos 8 cachorrinhos, nós conseguimos a adoção de 4, através de contatos do twitter e do site Animais para Adoção que, a partir dessa ação, tornou-se indispensável parceiro. Os outros 4, a própria Esther conseguiu encaminhar, através da feirinha de adoções do Projeto CEL.

Dois dos adotados no Projeto Cel
 
Foram 34 dias até que o último filhote da caixa fosse entregue: 34 dias que mudaram completamente nossa visão como protetores e que nos "equiparam" para continuar fazendo aquilo, mais e melhor, como atividade permanente.


Em 16.10, a última filhote da caixa foi adotada pelo Matheus e pela Lilian e ganhou o nome de Nikita.


Um fato: "Os Cães do Parque" tem sua história dividida entre antes e depois da caixa.

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