Vida

No dia 23 de Junho, um feriado, poucos dias antes de o nosso site estrear, noticiamos nas redes que havíamos encontrado e resgatado do parque, uma ninhada de quatro cachorrinhos com poucas horas de nascidos. 

Com os olhos fechados e ainda com os cordões umbilicais, foram encontrados numa caixa de sapatos. Haviam sido deixados para morrer.

Desde então, não falamos mais publicamente sobre o caso, nem sobre os cachorrinhos.

Contaremos a história agora.

Diante do fato, inevitável pensar em muitas coisas.

Pensar no desespero da cachorrinha-mãe, expropriada de seus filhotes tão logo haviam nascido. Pensar na crueldade de quem fez tal coisa. Pensar na irresponsabilidade de quem tem uma cadela em casa e a deixa emprenhar, em uma cidade em que a prefeitura disponibiliza um eficiente programa gratuito de castrações. Pensar em um enorme parque público na zona norte de São Paulo, que deveria ser um difusor de educação ambiental para a população que vive em seu entorno, mas que, muito longe disso, é visto como terra de ninguém, uma área com vários trechos semi-abandonados, em que o frequente abandono de animais é apenas um dos crimes que constantemente se observa - enquanto seus administradores, paralisados pela falta de recursos e pela inércia que caracteriza o serviço público, nada podem fazer além de esperar que, em algum lugar bem longe dali, políticos se lembrem que aquele lugar existe e decidam dar a ele alguma atenção (e um pouco mais de recursos provenientes dos NOSSOS impostos), coisa que há muitos anos não acontece.

Nós, cidadãos, voluntários e ligados ao parque por razões afetivas, também esperamos por isso.

Os cachorrinhos abandonados, contudo, não podiam esperar.

Mesmo sabendo que conseguir que sobrevivessem seria muito improvável, os recolhemos. A Soraia aceitou o desafio de cuidar deles 24 horas por dia, como a mãe faria. 


 


E isso incluiria não só amamentá-los, como também mantê-los aquecidos, cuidar para que não se engasgassem, estimulá-los, limpá-los. 






 


Houve orientação veterinária e dicas de outros protetores. Foi usado leite de cadela (sim, existe disponível em alguns petshops e é bem caro) e receitas caseiras.

Apesar de todo empenho, o filhote menor e mais fraquinho, só sobreviveu por algumas horas. Dois dias depois, um outro também morreu. Uma cachorrinha marrom e aparentemente forte, parecia que sobreviveria, mas acabou sucumbindo depois de uma semana. Não é difícil imaginar que o sistema imunológico de animaizinhos tão frágeis seja duramente afetado pelo fato de não chegarem a receber o leite materno.

O fato é que, da ninhada, só um dos filhotes - uma fêmea - suportou esses primeiros dias, em que a vida lhes recebeu de forma tão dura.

Quinze dias após o resgate, ela começou a abrir os olhos.

15 dias

18 dias

30 dias

40 dias

A sobrevivente cresceu e é uma cachorrinha alegre, esperta e absolutamente normal. Ela nunca teve sequer a chance de mamar ou de dormir agasalhada pelo corpo de sua própria mãe. Mas ela não sabe disso. Corre, brinca, mastiga coisas, late, pula. Convive com outros cães, com gatos e com pessoas - e gosta de todos.

Ela nada sabe sobre a crueldade e a irresponsabilidade humana. Nem tem opinião sobre as mil faces da incompetência dos serviços públicos.

Hoje ela recebeu a primeira dose de vacina V10. Daqui mais um mês será castrada. Depois disso, estará apta para ser adotada. Uma adoção muito especial. A mais especial de todas.

45 dias

O nome dela é Vida.