Era uma vez, em um certo país muito distante, algumas pessoas que amavam os animais; e, por tanto amá-los, reuniam-se em pequenos grupos para protege-los e assisti-los. Alguns desses grupos conseguiam construir abrigos, para onde animais vítimas de violência, abandono ou negligência eram levados: para tratamento, reabilitação ou apenas para que tivessem algum conforto e recebessem algum carinho, enquanto aguardassem por uma família que os recebesse de forma definitiva.
Mas não era fácil a missão dessas pessoas: manter lugares como esses e oferecer dignidade a um grande número de animais era caro e trabalhoso. Apesar de muitas e muitas pessoas naquele país dizerem-se simpatizantes daquela causa, eram pouquíssimas as que se dedicavam ao trabalho voluntário. As despesas, altíssimas, eram invariavelmente rateadas entre as pessoas de cada grupo, pois dificilmente contava-se com algum apoio, fosse público, fosse privado.
Proteger
animais naquele país era missão que só se abraçava por amor, pois nada mais se
recebia em troca. Nem mesmo compreensão: a imensa maioria daquela sociedade,
inclusive seus governantes, comumente consideravam os protetores de animais
pessoas desequilibradas, que dedicavam suas vidas e seus recursos para aquela
tarefa que julgavam algo estúpido e desimportante.
Porém,
os governantes, que em nada ajudavam, detinham o poder de fiscalizar.
Um dia, agentes do governo resolveram fazer uma fiscalização em um daqueles lugares, onde pessoas, com seus próprios recursos, tentavam ajudar animais abandonados que encontravam nas ruas da cidade. Chegaram, de surpresa, de manhazinha, com seus jalecos brancos e suas caras azedas – e muito bravos.
-
Que sujeira! – gritou o homem do
governo.
- Nós íamos começar a limpeza agora. – justificou uma das pessoas que lá trabalhavam.
- E o que é isso? Animais mortos!
- Encontramos abandonados na praça da cidade. Estavam doentes. Tentamos salvar, não conseguimos.
- Nós íamos começar a limpeza agora. – justificou uma das pessoas que lá trabalhavam.
- E o que é isso? Animais mortos!
- Encontramos abandonados na praça da cidade. Estavam doentes. Tentamos salvar, não conseguimos.
As
pessoas do governo não quiseram saber de explicações. Aplicaram uma pesada
multa e mandaram fechar o lugar: segundo eles, tudo ali era “inadequado” – foi
a palavra que usaram. Daquele jeito não podia continuar; contudo, esqueceram-se
de explicar o que deveria ser feito daqueles animais ali abrigados, todos eles
encontrados nas ruas da cidade que eles mesmos administravam.
Angustiaram-se
as pessoas que mantinham o lugar. O que fazer dos animais? E como continuar o
trabalho? Havia algo ainda que os preocupava muito: o que pensariam deles os
colegas da proteção, os outros grupos que abraçavam a mesma missão em outras
partes daquele país? Seriam vistos como negligentes e incapazes? Seriam
encarados como gente mentirosa, que maltrata ao invés de ajudar? Seriam
acusados de farsantes pelos próprios colegas?
Mas
isso não aconteceu: naquele momento de angústia, por uns instantes
esqueceram-se que quem abraça tal missão – a de proteger seres incapazes até
mesmo de agradecer – são invariavelmente pessoas despidas de vaidade; e que
fazem da solidariedade e do auxílio ao próximo as velas mestras da própria
existência! Afinal, não tinham todos os defensores de animais, São Francisco de
Assis – e suas lições de benevolência, humildade, caridade, amor ao próximo e
servir sem nada esperar em troca –, como uma espécie de “padroeiro”? Além
disso, todos que se dedicavam a trabalhos semelhantes tinham total consciência
das dificuldades que se enfrentava para desempenhá-lo.
Aquele
não era, pois, um terreno para rivalidades ou competição: para aquelas pessoas o que importava era apenas o bem estar dos
animais. Mais nada.
Foi
assim que ninguém – ninguém! – entre os protetores de animais levantou-se para
criticar ou apontar erros.
Muito
pelo contrário!
O
que se viu foi uma grande onda de solidariedade brotar de todos os lados, de
pessoas também envolvidas na difícil missão de proteger animais, se mobilizando
no intuito de ajudar. Pois se aqueles colegas, daquela cidade, estavam em
dificuldades e ainda sofriam a repressão dos governantes locais, era obrigação
de todo protetor auxiliá-los – mesmo porque, e isso era fácil de concluir, se
estava agora acontecendo com uns, obviamente depois poderia acontecer com
outros!
Muitas
doações começaram a chegar. Materiais de limpeza e de construção, rações e
medicamentos. O movimento cresceu e se espalhou, passou a envolver gente que
jamais havia dado muita atenção aos problemas dos animais, mas que se comoveu
com aquele drama e se ofereceu para ajudar. Pedreiros e encanadores,
carpinteiros e pintores se ofereceram para trabalhar voluntariamente; médicos
veterinários se apresentaram, oferecendo algumas horas semanais de seu
trabalho; advogados também se manifestaram para defender aquela organização de
amparo aos animais pelas vias jurídicas.
Mas o que mais comoveu os integrantes daquele grupo protetor foram as pessoas simples e sem qualquer qualificação profissional, que começaram a aparecer se oferecendo para realizar qualquer tipo de tarefa e ajudar no que fosse possível, nem que fosse apenas para limpar canis, dar banho em animais ou acolhe-los provisoriamente em suas casas, até que os trabalhos terminassem.
Logo, o que se via naquele lugar era um grande mutirão de gente entusiasmada, feliz por ter a oportunidade de ajudar – ajudar os animais e ajudar as pessoas que ajudavam animais. E o abrigo foi totalmente reconstruído. Ficou lindo, limpo, amplo e agradável.
Findada
a tarefa, os advogados voluntários enviaram uma petição em caráter de urgência
aos órgãos fiscalizadores do governo: exigiram uma nova inspeção! No dia
seguinte, muito a contragosto, lá estavam novamente os agentes públicos, em
seus jalecos brancos e suas caras azedas. Diante do que viram, nada puderam
fazer: aprovaram as reformas e retiraram a proibição de funcionamento.
Todos
se abraçaram emocionados.
Houve uma grande festa.
Houve uma grande festa.
A
partir do dia seguinte, o trabalho de amparo aos animais seria retomado; na
verdade, seria praticamente recomeçado do zero, pois a maioria dos animais que
ali estavam abrigados havia sido adotada pelos próprios voluntários que, por
terem tido a oportunidade de conviver com eles, por eles se haviam apaixonado.
Mais ainda: aquele já não era um pequeno grupo de pessoas, passaram a ser
muitos – pois muitos dos que haviam participado da obra de reconstrução,
acabaram se engajando definitivamente àquela causa, àquela missão.
Mas não foi só isso.
Foi
tão grande a repercussão do que aconteceu naquela cidade, que em outras partes
do país, fatos semelhantes começaram a ocorrer. Outros grupos protetores e
outros abrigos para animais começaram a receber auxílio. Muitas pessoas que só
se lembravam dos protetores de animais e só os procuravam para pedir ajuda,
começaram a procura-los para oferecer ajuda! Aconteceu ainda que muitas novas
células de proteção começaram a brotar em lugares onde jamais iniciativas semelhantes
haviam sido tomadas.
Todos queriam participar daquele tipo de trabalho, em que
não havia competições ou rivalidades, que transbordava otimismo e amor e do
qual não se esperava qualquer tipo de recompensa: servir já era o seu objetivo!
Com
o trabalho de defesa dos animais transformado em algo pujante e disseminado por
toda a parte, logo as autoridades públicas do país não puderam mais ignorar
suas demandas – mesmo porque, tratavam-se de coisas simples, pontuais, baratas
e completamente razoáveis, pois contemplavam não apenas os animais, mas também
questões ambientais e de saúde pública, logo, de interesse de toda a sociedade.
Todas as cidades instituíram programas gratuitos de esterilização de cães e
gatos – pois entendeu-se definitivamente ser essa a única forma de combater o
abandono e promover a inserção social dos animais. O atendimento
médico-veterinário gratuito para animais de pessoas de baixa renda também
tornou-se uma realidade. Passou-se a fiscalizar de forma muito dura os
criadores e comerciantes de animais – e a reprimir os que faziam isso de forma
ilegal: isso sim era atribuição das pessoas de jaleco branco do governo!
Ninguém
nunca mais cogitou a imposição de leis que punissem especificamente quem
cometesse maus tratos contra animais: compreendeu-se que eram desnecessárias,
que tal ideia apontava na direção errada, que servia apenas para fomentar ódios
e aumentar ainda mais a intolerância e a incompreensão.
Com
todo o país contagiado por aquela nova paixão, logo toda família queria ter em
casa um animalzinho, sem se importar com sua raça, cor ou tamanho; casos de
animais sendo abandonados passaram a ser cada vez mais raros, até que isso
simplesmente deixou de acontecer: ninguém abandona seres tão amados! E todos os
animais recolhidos aos abrigos foram sendo adotados. Mesmo os mais feinhos. Os
doentes. Os velhinhos, aos quais restava pouco tempo de vida.
Ao
final de uns poucos anos, aconteceu naquele país algo inacreditável: os abrigos
de animais foram ficando vazios. As feiras de adoção foram desaparecendo. Não
havia mais cães ou gatos nas ruas. Não havia mais cães ou gatos para defender
de maus tratos, abrigar, encaminhar para uma adoção. Todos eles estavam em seus
lares e lá permaneceriam até o final de suas vidas. Não havia mais o que
proteger. A missão havia sido encerrada.
A
proteção animal ... acabou!
E
então, as pessoas mais velhas, que desde quando se entendiam por gente haviam
se dedicado àquele trabalho, puderam enfim descansar: voltaram para suas vidas,
foram dar mais atenção às suas famílias; e fizeram isso com seus corações em
paz e as almas cheias de contentamento, pois tinham a certeza de haviam
cumprido até o fim uma missão.
Porém,
muitas pessoas, em especial as mais jovens, não quiseram parar: não quiseram
parar de servir. Tinham se “viciado” em ajudar! E, não havendo mais animais
para proteger, engajaram-se a outras causas e outras missões, pois havia
muitas: e gente que ajuda, é gente que ajuda sempre, sem escolher a quem. E
gente assim, sempre arruma algum tempo e algum recurso para praticar o bem.
E
foi assim que aquele país todo foi tocado por esse sentimento. Guiado pelas
pessoas que fazem da solidariedade e do amor ao próximo as velas mestras de
suas existências, aquele país seguiu seu rumo, onde cada amanhã seria sempre
melhor que hoje.
*********************************
Sentados
no tronco caído de uma velha árvore, dois homens observam aquela cena. Um é
velho, de ar solene e cabelos brancos; o outro, jovem e de olhar vívido.
- Você compreendeu o
que se passou?
– pergunta o mais velho.
- Sim, mestre. Está muito claro. – responde o outro.
- Nem sempre o que se vê na superfície – continua o primeiro – traduz a verdade mais profunda.
- E aquelas pessoas ainda acreditam que estavam salvando animais.
- Sim, mestre. Está muito claro. – responde o outro.
- Nem sempre o que se vê na superfície – continua o primeiro – traduz a verdade mais profunda.
- E aquelas pessoas ainda acreditam que estavam salvando animais.
Sorriem
ambos. O ancião prossegue:
-
Muitos animais estão na Terra, entre os
homens, em missão de salvamento. Muitas pessoas precisam deles para dar sentido
às suas vidas. Algumas obtêm através deles sua única identidade. Outras, só conseguem
praticar o amor se o mesmo for dedicado a eles.
- Ainda assim, até entre essas pessoas há vaidades, divisões, competições e rivalidades. – observa o jovem.
- Sim, a humanidade ainda tem muito o que aprender – diz o mestre – e os animais, em sua pureza infinita, prestam-se humildemente a esse papel.
Permanecem calados por alguns instantes. O jovem quebra o silêncio:
- Ainda assim, até entre essas pessoas há vaidades, divisões, competições e rivalidades. – observa o jovem.
- Sim, a humanidade ainda tem muito o que aprender – diz o mestre – e os animais, em sua pureza infinita, prestam-se humildemente a esse papel.
Permanecem calados por alguns instantes. O jovem quebra o silêncio:
-
Não há entre os homens quem já tenha
notado essa verdade?
- Alguns apenas – responde o mestre -, a maioria desses humanos não nota, e talvez nunca chegue a notar, que o que os animais fazem por eles é infinitamente mais do que eles podem sonhar lhes dar.
- Mas nesse país o propósito foi atingido ...
- Sim, ainda que poucos tenham entendido o que se passou.
- E ainda exista quem acredite ter sido o herói dos animais.
- Sempre haverá. Mas isso não importa – diz o ancião - , ao contrário dos homens, os animais não precisam receber medalhas.
- Alguns apenas – responde o mestre -, a maioria desses humanos não nota, e talvez nunca chegue a notar, que o que os animais fazem por eles é infinitamente mais do que eles podem sonhar lhes dar.
- Mas nesse país o propósito foi atingido ...
- Sim, ainda que poucos tenham entendido o que se passou.
- E ainda exista quem acredite ter sido o herói dos animais.
- Sempre haverá. Mas isso não importa – diz o ancião - , ao contrário dos homens, os animais não precisam receber medalhas.
Após
mais alguns momento de silêncio, o homem mais velho se levanta.
-
Temos que ir – diz ele –, ainda há e sempre haverá muito o que fazer.
A missão nunca termina e servir já é o seu próprio objetivo.
E,
tendo dito isso, transfigura seu corpo espiritual, adquirindo a forma de um
grande cão, negro e de porte altivo. É seguido pelo discípulo que, por sua vez,
assume as formas de um gato de pelagem alaranjada e olhos azuis.
Voltam então a habitar entre os homens.
Parabéns menino-coruja, essa é pra pensar muito!
ResponderExcluirLindo.
ResponderExcluirCara, parabéns pelo artigo!
ResponderExcluirMe diga onde é este país que quero ir para lá, de vez.
Pois é...eu ia fazer a mesma pergunta...também quero viver em um país igual a esse, mas infelizmente acho que ele ainda está por nascer ou quem sabe daqui a mais 1.500 anos?
ResponderExcluirTemos que criar esse país....
ResponderExcluirConstrução perfeita do texto !!!
ResponderExcluirQuem dera fosse integralmente lido e compreendido. Mais ainda, profundamente verificado nos corações que se pregamos amor aos animais que desamor estamos construindo paralelamente ??? Obrigada
Perfeito, fiquei emocionada!
ResponderExcluirLindo! emocionante...chorei!!!
ResponderExcluirQue texto lindo! E bota muita gente pra pensar....
ResponderExcluirEsse lugar infelizmente não existe :(
ResponderExcluirLindo! Não vamos lamentar que este pais não é o nosso, vamos lutar para que um dia ele seja; nós
ResponderExcluirprotetores já fazemos o impossivel para mantermos
os animais o que precisamos é de mais união pois
não é a união que faz a força! Essa foi a mensagem do texto.
Lindo texto...emocionada!
ResponderExcluirlindooooo !!fiquei emocionada *****
ResponderExcluirEmocionante!!!
ResponderExcluirTe admiro muito Fábio Pegrucci!!
Essa é a sua missão dentro da egrégora... capisce? Quando falamos em um trabalho maior, acho que seu grande papel, talento, dom, é esse ;)
ResponderExcluirTamo junto, irmão!
Só quem já teve ou tem um animal de estimação entende o texto. O carinho retorna na medida em que o dás.
ResponderExcluirO Fabio deu a receita.....nós devemos fazer o bolo.
ResponderExcluirParabéns amigo por mais essa paulada na gente. Valeu!
Deveria ser exatamente assim...será que chegaremos aí? País dos sonhos!!!
ResponderExcluirParabéns, Fábio. Texto maravilhoso. Eu já compreendi faz tempo que nossos amiguinhos são seres infinitamente superiores a nós, e nos dão o imenso privilégio de sua companhia... Como eu queria que todos países fossem assim. Abraços.
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