Mel

por Os Cães do Parque




A história da Mel, conhecemos bem.

Ela era de um ex-funcionário residente do parque que, ao deixar o emprego e, por consequência, a casa que ocupava, deixou-a para trás. Hoje conhecemos bem essa realidade: os funcionários da instituição pública, que deveriam - mais do que ninguém - dar o exemplo, são os maiores causadores de problemas com relação a animais domésticos no complexo florestal.

Mel ficou abandonada no parque, mas foi castrada por uma protetora e, logo, afeiçoou-se a um dos vigilantes que passou a seguir por toda parte. Assim, viveu no parque por mais de dois anos. Velhão, pelo menos durante o tempo em que conseguia acompanhá-la em suas longas caminhadas, era seu companheiro constante. Também dava-se bem com as inseparáveis Loirinha e Dentinho. Quando os conhecemos, há quase dois anos, esses quatro "moravam" juntos, sob a marquise de uma das construções do parque.

É curioso - e encantador - notar como os cães, quando abandonados e sem uma proteção humana, criam entre si claros laços de amizade, ainda que tenham tamanhos e origens diferentes. Vivendo juntos, protegem-se, têm mais confiança, sentem menos medo.

Mel tinha o péssimo hábito de perseguir bichos silvestres. Certa vez, matou um gambá. Por pura diversão, incomodava os quero-queros que fazem ninho nos gramados. Algumas vezes apareceu com o focinho crivado de espinhos de ouriço. Na última vez em que isso aconteceu, foi tão grave que teve que ser levada, a nosso pedido, para o hospital veterinário da Unip - onde foi sedada para que espinhos alojados dentro da boca pudessem ser removidos. Ultimamente também estava se metendo perigosamente com as capivaras.

A despeito do tamanho e dessa aparente vocação para "caçadora", Mel era mansa e extremamente carinhosa. Jovem, forte e vigorosa, era feliz no parque, sempre acompanhando o vigilante, em suas rondas de moto.



Em novembro último, uma sucessão de acontecimentos tristes encerrou essa cena que já estava incorporada ao cotidiano do parque: o vigilante de moto, a Mel seguindo. O vigilante foi afastado de suas funções e deixou seu posto no parque. Pelos dias seguintes, Mel passou a ficar amuada, recusando-se a comer. Depois desapareceu. Por três ou quatro dias, por mais que se procurasse, ninguém a encontrava. 

No dia 20 de novembro de 2010, Mel foi encontrada morta. 

O funcionário que a encontrou relatou ter notado um ferimento grave em seu pescoço. Suspeitou-se de uma mordida de capivara. Mas, pela descrição, não acreditamos. Capivaras, quando acuadas ou com filhotes, mordem no intuito de se defender - e de forma desordenada, provocando múltiplos cortes. Um único ferimento certeiro e no pescoço não parece ser coisa de capivara: picada de cobra parece o mais provável.

Em todo caso, Mel acabou vítima da nem sempre pacífica coexistência entre cachorros e bichos-do-mato. Fato é que o parque - uma unidade de conservação ambiental - é para os animais silvestres, que matam e morrem dentro do "roteiro" competitivo e cruel da natureza. Os cães é que estão no lugar errado, por serem vítimas do abandono ou da negligência das pessoas que um dia os tiveram como animais de estimação. 

Por sabermos disso, é que temos como objetivo máximo e final da nossa ação no parque, remover de lá, se possível, todos os cães, encaminhando-os para lares regulares e responsáveis.

Com a querida Mel, um dos "originais" cães do parque, não foi viável, não foi possível, não houve tempo. 

Nos afeiçoamos fortemente a esses cães.
Sentimos muito perdas como essa.




Um comentário:

  1. perdemos um cão no abrigo que sou voluntária...como disseram não foi possível...ele iria ser adotado dia 27...infelizmente morreu em uma briga entre os cães na baia...:(

    ResponderExcluir