quem somos

O parque, os cães 



O parque é uma unidade de conservação ambiental, uma imensa área verde na zona norte da capital paulista, sendo que a parte aberta à visitação pública corresponde a cerca de apenas 20% de seu território. O espaço restante é ocupado pela administração, núcleos de pesquisa, ala residencial (onde moram muitos dos funcionários da instituição) e por uma extensão de mata nativa.

Dada a sua grande extensão, possui muitos acessos e sistema de vigilância insuficiente. Esses fatores, somados ao fato de ser cercado por comunidades carentes, fez com que o parque cultivasse ao longo das décadas uma triste tradição: a dos cães abandonados. 

Sempre houve cães sem dono circulando pelo parque. 

Alguns, cães errantes que, após circularem pelas ruas, fixavam-se no parque por obterem lá melhores condições de sobrevivência: abrigo, água em abundância, alimento (ainda que proveniente de sobras de piqueniques ou de latas de lixo), presença humana. 

Um número muito maior, porém, de animais deliberadamente abandonados lá, no interior do parque. 

Historicamente, pelas razões mais diversas, quando querem livrar-se de seus animais, pessoas procuram parques e praças. Uma ninhada indesejada. Um animal que ficou velho, doente. Um cão que mordeu uma pessoa. Uma família que se muda e não deseja levar o animal. 

O costume de se abandonar animais nos parques públicos nasce da ilusão de que o animal terá boas chances de sobreviver sozinho “na natureza” e da covardia de quem só pratica tal ato com a certeza do anonimato e da impunidade. 

Ainda que, hoje em dia, essa atitude seja tipificada como crime, continua acontecendo. 

Até poucos anos atrás, a solução para esse problema era meramente “sanitária”: de tempos em tempos, a famigerada carrocinha entrava no parque e recolhia os animais para o Centro de Controle de Zoonoses que, quase que invariavelmente, os sacrificava depois de poucos dias. Recentemente, porém, novas legislações mudaram esse panorama no Estado de São Paulo e, a menos que representem risco iminente às pessoas, seja por doença ou por agressividade, cães sem dono não são mais recolhidos. 

E assim, os cães foram ficando. Sob a proteção velada de alguns simpatizantes e os olhares tortos de quem os vê como mero problema de saúde pública. 

Com a lentidão que caracteriza o serviço público e a falta de conexão entre as diferentes esferas de poder, mesmo diante da drástica mudança de legislação, os parques públicos não se equiparam com nenhum tipo de política para enfrentamento da questão. E uma unidade de conservação, diga-se, não pode sequer admitir a entrada de animais domésticos em sua área. 

Sem protocolos para seguir, seus gestores equilibram-se entre ignorar o problema, fingindo não enxergá-lo e soluções paliativas e improvisadas. 

É nesse vácuo legal que pessoas, individualmente ou em grupo, de forma mais ou menos organizada, sob a proteção formal de ONGs ou mesmo na condição de simples cidadãos, têm dedicado tempo e recursos para proteger, assistir e encaminhar para novos lares animais vítimas de abandono ou negligência. 



Os Cães do Parque 


Este trabalho não nasceu de nenhum projeto previamente formulado. Não foi traçado nenhum plano de ação. Não existe uma ata de fundação. Não há entre nós nenhum veterinário ou especialista no assunto. 

Freqüentávamos o parque.
E gostamos de cães. 

Cuidamos dos cães do parque há algum tempo. Nos conhecemos por causa deles, cuidando deles. No início, era informal e paliativo. Apenas os alimentávamos, fazíamos um ou outro curativo. Depois se tornou mais conseqüente e com ações de maior alcance. Passamos a promover castrações e, por iniciativa e com recursos próprios, preenchemos a lacuna deixada pela ausência de uma política oficial de enfrentamento da questão: conseguimos conter uma iminente explosão populacional de cães abandonados na enorme área pública. 



Depois vieram as adoções. Mais uma vez, não tínhamos a mais remota idéia de que passaríamos a fazer isso, muito menos de que forma. Tentamos a internet, as redes sociais, o fervilhante twitter. Deu certo uma vez. Deu certo duas, três vezes. Não parou mais. 




Uma rede de colaboradores se formou. Sites e blogs de adoção tornaram-se parceiros constantes. Uma legião de simpatizantes, desde anônimos até artistas conhecidos, passou a divulgar anúncios de adoção espontaneamente pelas redes sociais. 

 

Aprendemos a cumprir missões na medida em que as missões iam surgindo. Sem nenhum preparo prévio, sem nenhum plano. Observando erros e acertos de outros protetores. Até criar uma identidade e um modelo de ação próprios, baseados e difundidos exclusivamente pela internet. 




Os Cães do Parque é uma entidade virtual – mas com resultados reais. 

Os efeitos crescentes e visíveis da atividade voluntária nos levou a fazer parte da vida do parque, convidados a participar de grupos de trabalho formais. Dentro das até aqui intransponíveis limitações legais a que estão submetidos, seus administradores compreendem e, na medida do possível, apóiam o que fazemos. 

 
Hoje, parte de nossa atividade refere-se a colaborar na formulação e na implantação de políticas oficiais para enfrentamento do problema, muito embora resistamos à idéia de nos abrigarmos sob a denominação de uma ONG: sermos pessoas físicas está no nosso DNA e nos confere uma independência da qual, até aqui, não pretendemos abrir mão. 



O fato de a visibilidade do nosso trabalho ter nos levado ao diálogo cada vez mais constante com esferas oficiais, no âmbito municipal e estadual, é outra coisa que se deu sem que sequer imaginássemos – ou mesmo que o desejássemos. 

Nós não somos políticos. 

Somos apenas um grupo de cidadãos que, diante de um panorama que nos incomodava e entristecia, optou por não cruzar os braços e por não limitar-se a cobrar de “autoridades” que o modificassem. 

Nós somos voluntários. 

O que fazemos é motivado por amor, por prazer. É motivado, sobretudo, pela emoção que sentimos a cada vez em que tiramos um cão do abandono e assistimos a cena desse mesmo cão sendo recebido com festa por uma família que o acolhe como parte dela. 

Nós somos a ponte.  Nada mais do que isso.

Não há possibilidade de vaidades para quem executa uma tarefa em que os únicos beneficiados são seres incapazes sequer de agradecer. 

Mas nós sabemos ler os olhos de um cão.
E o que eles expressam nos basta e justifica.