Meu nome não era Johnny

por Fábio Pegrucci



No início de Julho de 2010, nosso trabalho como protetores voluntários no parque já mostrava resultados e já tinha, por parte dos administradores, algum reconhecimento. Éramos só a Alessandra e eu, e tudo começara cerca de um ano antes, por termos nos sensibilizado com a situação dos muitos cães que viviam por lá, à própria sorte, praticamente como mendigos. Àquela altura, já tínhamos promovido algumas castrações, que evitaram os nascimentos certos de algumas ninhadas de cachorrinhos sem dono, e conseguido algumas adoções.

Semanas antes, eu havia conseguido convencer a diretora do parque a abrigar, no quintal da administração, uma cadelinha prenhe, assumindo a responsabilidade de cuidar dela pelo tempo necessário e promover a adoção dos filhotes assim que possível – muito embora eu não tivesse, na época, muita idéia de como faria isso.

No dia 08 de Julho, sete lindos filhotinhos nasceram e eu pude até acompanhar o parto. No dia seguinte, um feriado, fui ao parque para ver como estavam e alimentar a cadelinha parida, certo de que aquele era o maior dos meus problemas. Mas, ao chegar lá, deparei-me com uma enorme surpresa: um cão pit bull macho, adulto, aparentemente saudável, fora encontrado pelos vigilantes vagando sozinho e solto pelo parque horas antes e preso por eles num pequeno cercado. Estava com água e um pouco de ração que alguém conseguira. Tinha o olhar muito triste, parecia amedrontado. Mas seu porte e sua aparência assustavam. Confesso, tinha medo até de chegar perto da grade.

Era muito provavelmente – e isso acabou sendo provado mais tarde – mais um caso de abandono criminoso, praticado por alguém que, por não querer ou não poder mais sustentar o cão que um dia talvez tenha comprado, viu como “solução” simplesmente soltá-lo num parque público, freqüentado por famílias com crianças e habitado por animais silvestres.

Nos dias que se seguiram, tanto a diretora, quanto eu – que, afinal, era o sujeito que se dizia capaz de resolver os problemas relacionados a cães abandonados no parque – ficamos perdidos. Completamente diferente de lidar com os quase sempre amáveis vira-latas, aquele era um caso para quem entendesse do assunto. 


Contatado pela administração do parque, o CCZ não deu sequer previsão para quando poderia ir buscar o animal, alegando falta de vagas. Eu, tentei algum auxílio do Canil da Polícia Militar (sequer responderam) e publiquei anúncios e artigos em diversos veículos da internet, em busca do possível dono do cão ou de um novo adotante. Tudo em vão. Tentei auxílio também de várias ONGs e tive o apoio do grupo Pit Cão, um pessoal sensacional que se dedica a resgatar e a reabilitar cães abandonados de grande porte: prometeram-me que resgatariam o cão, mas me pediram tempo, pois também não tinham onde abrigá-lo naquele momento.


Para complicar um pouco mais a situação, um frio intenso se abateu sobre São Paulo naqueles dias, inclusive com muita chuva. Temi muito pela vida do cão, precariamente abrigado no pequeno cercado sobre o qual apenas uma cobertura de lona pode ser improvisada. Após alguns dias, sensibilizada, a diretora do parque conseguiu que ele fosse removido para um outro local dentro do complexo florestal, um antigo e desativado hospital veterinário, onde – apesar de dificultar o trabalho diário de alimentá-lo, pela distância – pelo menos deixou-o abrigado do frio e da chuva. Assim, o pobre grandalhão permaneceu trancafiado numa jaula, sozinho num lugar ermo, ainda por vários dias.


Contudo, paralelamente, uma outra história se desenvolvia.

Logo na primeira vez em que acessei os sites destinados à publicação de anúncios de animais perdidos, nos quais tentava encontrar o dono ou um adotante para o “meu” pit bull, deparei-me com apelos desesperados de uma moça que procurava por seu cão – chamado “Mahalo”, da mesma raça e com características parecidas – que havia fugido há poucos dias e desaparecido. Mais que isso: ela morava a poucos quilômetros do parque. Imaginei a princípio, claro, que poderia tratar-se do mesmo cão. Contudo, comparando as fotos, comprovei que infelizmente não era: eram apenas duas situações antagônicas acontecendo simultaneamente, na mesma região da cidade.

Mesmo assim, passamos a trocar emails. Ela, revirando a cidade em busca de seu amado Mahalo, eu em busca de uma solução para o grandão do parque. Muito embora, evidentemente, torcesse muito para que ela encontrasse seu cão perdido, passei a sugerir que, caso não o encontrasse, avaliasse a possibilidade de adotar o pit bull abandonado. Dias depois, a Soraia foi pela primeira vez ao parque: foi conhecer o cão, quis ao menos ajudar a tratar dele. Para minha surpresa, sem qualquer cerimônia e sem medo algum, entrou na jaula, colocou-o numa coleira e andou com ele. Limpou o lugar – que estava imundo -, alimentou-o e interagiu com ele como se o conhecesse há muito tempo.

Mais alguns dias se passaram, ela continuou me ajudando a tratar dele, depois levou os pais para conhecê-lo. Conquistaram sua confiança e ele, a deles. No dia 26 de Julho, dezessete longos e gelados dias após ser abandonado no parque e já batizado de “Johnny”, o pit bull de olhar tristonho saiu definitivamente da jaula que lhe servia de abrigo e foi adotado pela Soraia e sua família. 


 
Esse já poderia ser um belo final, mas era, na verdade, só o começo de uma história.

A Soraia integrou-se ao trabalho que já fazíamos e foi por causa dela, dotada de um enorme poder de organização e de um imenso amor pelos animais, que “Os Cães do Parque” tornou-se uma célula organizada de proteção. Sem perder o foco no parque, estendemos as ações para a região, passamos a atuar em colaboração com outros protetores, ganhamos definitivamente o respeito dos administradores do parque e, mais importante que tudo, passamos a fazer a “coisa certa”, só encaminhando para adoção animais castrados e mediante a assinatura de um termo de adoção e guarda responsável, que nos permite monitorá-los mesmo depois de adotados.

Foi assim que, desde então, conseguimos a adoção de dezenas de animais, entre cães e gatos, todos resgatados de situações de risco ou de abandono. Quase todas essas adoções foram conseguidas através de contatos pela internet, pelo twitter, sites e blogs, em postagens que primam por um marketing diferente do que se vê quase sempre: ao invés apelar para a “piedade” das pessoas em busca de auxílio, tentamos fazê-las ver que poder adotar um cão é um enorme privilégio e que, em sendo um animal tirado do abandono, é também um inestimável ato de cidadania – e tem funcionado.

Nosso trabalho, dentro dos limites da razoabilidade – acreditamos que ninguém deve pretender abraçar o mundo e fazer mais do que pode –, tende a se aperfeiçoar e crescer. Sentimo-nos realizados em pode executá-lo e em plantar sementes, orientando outras pessoas a fazerem o mesmo.

Quanto ao Mahalo, ele jamais foi encontrado. Johnny, contudo, que antes de ser abandonado certamente tinha um outro nome, ocupou o amplo quintal da casa da família da Soraia, onde vive folgadamente. E o encontro das duas histórias, que tinham tudo para terem finais separados e tristes, resultou num único final surpreendente e feliz: por obra do acaso ou – para quem acredita nessas coisas – de alguém lá em cima que olha e zela pelos animais e que, como nós, sonha com o dia em que não mais haverá cães abandonados pelas ruas da cidade.


Texto produzido originalmente para a revista digital Petzine e que serviu de base para matéria publicada na edição de Janeiro de 2011.

3 comentários:

  1. Meu Deus!Que história fantástica!Confesso que chorei oceanos lendo-a! Eu tenho 4 cães, um deles pitbull,então ao ver esse olhar triste do Johnny eu pude compreender porque sei que algo está muito mal quando esse olhar é demonstrado. Ao contrário do que todos falam, eu ainda espero uma pessoa -ou um pitbull- me provar que essa raça é "ruim".Eu só não tenho medo mesmo, o meu (Nero) é a criatura mais amorosa do universo com quem ele conhece e apenas mostra a quem não conhece qual é o seu território e que se ousar fazer algo com quem ele ama ele é muito capaz de matar. Meu Nero é minha vida, eu já tive a péssima experiência de perdê-lo juntamente com uma das minhas outras cachorras (Milla) mas graças a Deus os encontrei. Gente, eu sinceramente queria saber por que quando um pitbull morde ou mata alguém sai no jornal como se ele fosse um filhote do DEMO! Por que não dizem o que a pessoa estava fazendo com ele pra chegar a esse ponto ou que ele levava surras em casa e saiu na rua e então fez isso? A culpa NUNCA é do animal!NUNCA! Meu sonho (que será com certeza realidade) é ter uma ONG de animais abandonados, mas com um espaço para eles ficarem acomodados e tudo mais. Sou simplesmente louca por bichos!(e vegetariana,claro!rsrs).
    Meus parabéns pelo trabalho de vocês, continuem, por favor! Vamos fazer pelos nossos queridos animais que não têm como escolher e são abandonados por pessoas CRUÉIS! Sim, cruéis, porque para mim nem falta de dinheiro é desculpa pra abandono, porque minha cadela Mell levou uma paulada de um vizinho meu (FDP!) e ficou descadeirada em um momento extremamente inoportuno em que meus pais estavam desempregados, e nós decidimos que se precisasse passaríamos fome literalmente, mas que iríamos salvá-la e não seria com uma injeção letal.
    Por favor, se precisarem de voluntários, me comuniquem! (vanessa.soares38@gmail.com)
    Vocês são anjos! Obrigada por fazerem isso!

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  2. Parabéns pelo lindo trabalho!

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