Julie e os sete bebês do parque

Por Fábio Pegrucci



Em Abril de 2010, por conta própria e com alguma colaboração da administração (conquistada a duras penas) já estávamos, a Alessandra e eu, promovendo castrações em cadelas "residentes" no parque. Loirinha, Dentinho e a amalucada Preta já haviam sido castradas. Ainda não conhecíamos os caminhos para conseguir castrações a preços baixos e as três cirurgias, realizadas em uma clínica particular, haviam nos custado um valor bem expressivo.

Mais que isso, a "estadia" das três cadelas por vários dias no quintal da administração do parque, havia provocado algum desagrado por parte dos funcionários, apesar da boa vontade da diretora.

Fato é que estávamos estressados e tudo o que não queríamos era que mais cães abandonados aparecessem no parque. Contudo, lá estavam eles: uma cadela peluda e baixinha e um cão macho, de aparência bem parecida, surgiram no portão de entrada. Por alguns sinais, para nós óbvios, notamos rapidamente quando um cão é "de rua" ou quando foi deliberadamente abandonado. E aqueles dois eram, certamente, nitidamente, cães de uma residência, criados juntos e que alguém despejara ali, provavelmente à noite, de dentro de um carro.

Permaneceram juntos e zanzando desorientados por vários dias pelas imediações do portão do parque, dormindo na calçada e se escondendo debaixo dos carros. Muito arredios e medrosos, mal permitiam que nos aproximássemos. Pior que isso ainda: a cadelinha estava no cio e, logo, atraiu vários cães das imediações para dentro do parque, onde acabou se instalando.

Eu poderia ter intercedido, sim. Confesso que, por um bom tempo, me arrependeria por não tê-lo feito. Mas o cansaço já causado pelas ações anteriores, a pouca organização e experiência da época e o fato da cadela ser muito arredia, fez com que a situação prosseguisse para o óbvio: em alguns dias, os machos todos desapareceram (inclusive o que fora abandonado que, se nunca houvera sido um cão de rua, com certeza passou a sê-lo), mas a cadelinha ficou. Ficou e foi engordando, ali sozinha no parque, onde encontrou algum abrigo.

Barrigudinha, algumas semanas depois, fixou-se na entrada do parque, recebendo atenção e alimento dos porteiros e de alguns frequentadores. Logo, começaram a aparecer vasilhas de água e comida, papelões e tapetinhos para que ela se deitasse. Como acontece muitas vezes diante de tais situações, pessoas se apiedam, se comovem. Mas dificilmente alguém assume para si a responsabilidade - que inevitavelmente implica em muito trabalho e custos financeiros.

Bati na porta da diretora. Fiz com que visse que a situação estava se tornando constrangedora para o parque. E, se ela me deixasse abrigar a cachorra no quintal da administração, isolaríamos o problema. Eu me responsabilizaria por cuidar dela e das crias até que desmamassem e pudessem ser adotadas. E que em pouco mais de um mês, tudo estaria terminado.

Confesso que não tinha muita idéia de como faria tudo aquilo, nada entendia sobre partos, cuidados com filhotes e nem mesmo sobre como conseguir adoções. Mas assumi os riscos.

No dia seguinte, a Alessandra e eu levamos a cachorrinha grávida no colo (ela se recusou a andar na coleira) até a administração e a instalamos lá. Uma grande caixa de papelão forrada com carpetes lhe serviria de "ninho" e passamos a ir até lá quase que diariamente para alimentá-la.

Duas semanas depois, na manhã do dia 8 de Julho, quando por coincidência eu estava na administração do parque para uma reunião, a Julie entrou em trabalho de parto. Também por coincidência, nessa mesma manhã, eu havia chamado veterinários de uma ONG para que fossem até lá para examiná-la. Mas, quando eles chegaram, nada puderam fazer além de acompanharem comigo e a uma distância segura, os primeiros nascimentos. Quatro cachorrinhos nasceram naquele dia, no espaço de algumas horas, e tudo indicava que o parto acabara. 

No dia seguinte, porém, ao retornar ao parque para alimentar a Julie, vi perninhas e rabinhos demais naquela caixa: contei e recontei a ninhada algumas vezes até concluir que eram SETE e não quatro - mais três filhotes haviam nascido, provavelmente durante a noite.

Primeiras fotos dos filhotes (Bolinha, Apolo, Penélope e Raja), nove dias após o nascimento, ainda de olhos fechados

Pelos quarenta e cinco dias seguintes, cuidar e acompanhar o crescimento dos lindos cachorrinhos (quatro machos e três fêmeas) passou a ser uma tarefa quase diária. Foi no meio dessa história que conhecemos a Soraia - por causa de um outro cão, em história contada em outra postagem - e ela também ajudou demais nos cuidados com a Julie e a ninhada.

Raja, Penélope, Bolinha, Apolo e Luna: 15 dias após o nascimento

Com os belos filhotes tornando-se a atração da administração do parque, aquela que deveria ser uma operação quase "secreta" e um compromisso apenas meu para com a diretora, acabou atraindo muitos "pais" e "mães" para os pequenos, todos funcionários do complexo. Pessoas que não enxergaram a cachorra prenhe abandonada no parque, mas se encantaram com seus filhotes lindos e gordinhos. Houve um momento em que parecia haver mais candidatos a adotantes do que cães, tal era a disputa por eles. 

Nessa altura, a pouca prática e os conhecimentos que apenas um pouco mais tarde nós iríamos adquirir para promover adoções da forma correta e responsável, fez com que perdêssemos um pouco o controle da situação.

Fato é que os cachorrinhos acabaram sendo adotados de forma um pouco desordenada, por funcionários e pessoas ligadas ao parque. 

Coube a nós promover, realmente, apenas uma adoção: Raja, justamente a única a não encontrar um adotante no parque, foi entregue para a Fernanda Beolchi, que chegou a nós por contato do twitter, em 11 de Setembro. Rebatizada como "Nicole", é certamente a que ganhou o melhor lar e a melhor adotante de todos na ninhada.

Marley, com cerca de 3 meses
Luna e Penélope, com cerca de 4 meses


Mas e a Julie, o que foi feito dela?


A parte acidentada da vida da cachorrinha que gerou, no parque, a mais linda ninhada de vira-latas que já conhecemos, ainda demorou um pouco para acabar. Passou alguns meses com os mesmos adotantes das filhas Luna e Penélope e, depois de muitas indefinições sobre se aquele seria ou não o seu lar definitivo, resolveu-se que não: era preciso buscar um destino para ela.

E coube a mim, mais uma vez, interceder, assumir a responsabilidade e encontrar o destino dela. Sabendo do quanto é difícil conseguir adoção de cães já adultos, divulguei amplamente. Em dezembro de 2010, a possibilidade de adoção surgiu através de contato do meu twitter. De Brasília, a Juliana Buzzinaro indicou a adoção para sua mãe e irmão, que moram no interior de São Paulo - eles haviam perdido uma cadela muito querida há algum tempo e viram com bons olhos a adoção de uma outra já crescida. 

Trabalhamos ainda durante algumas semanas na "socialização" da Julie: cachorrinha rabugenta, pouco afeita a coleiras, foi "ensinada" a andar com a guia, a entrar em carros sem sentir medo e a se separar das filhas. Parece que deu certo.


Passadas as festas de fim de ano, em 15 de Janeiro de 2011, a Cristina e o Dante vieram a São Paulo e levaram com eles a Julie, a quem rebatizaram como "Yumi". Ela agora mora com o Dante, em Americana, e, pelo que sabemos, parece que está indo bem.

Alguns cães cujas adoções promovemos, passam pouco tempo pela vida da gente, poucas semanas, às vezes apenas alguns dias. A Julie (agora Yumi) passou quase um ano. A passagem dela e de sua ninhada nos marcou, não só pelo tempo, mas pelo aprendizado que nos proporcionou - inclusive pelos erros que nos ensinou a não mais cometer.

Entre as inúmeras lembranças da longa história, o vídeo abaixo: no quintal da administração do parque, nós, a Julie e seus inesquecíveis sete bebês.




2 comentários:

  1. A Yumi, que não ficou Julie porque eu sou Juliana (como se eu me importasse...) continuou meio avessa a coleiras e não se adaptou de forma alguma no apartamento.

    Hoje mora em Americana onde meu pai mantém uma clínica de recuperação. O lugar é enorme, tipo um sítio, com muitas plantas, galinhas e tal. Ela fica solta o tempo todo.

    Há outra vira-latas castrada lá, as duas são companheiras. Ela está mais gordinha. "Escolheu" um morador de lá, um dos auxiliares do meu pai, e fica quase o tempo todo com ele. Quando não está com ele fica embaixo da mesa do meu pai que vive me dando notícias.

    Ela hoje nem deve se lembrar o que é uma coleira...

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  2. Linda a historia da Julie agora Yumi que bom seria se todos os animais abandonados tivessem a mesma sorte.

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