Meg

por Fábio Pegrucci
Para Os Cães do Parque



No início de Maio de 2010, enquanto alimentava alguns dos cães que normalmente circulavam pelo parque, um bichinho pequeno, pouco maior que um yorkshire, passou rapidamente a alguns metros de mim, observando, mas sem coragem de se aproximar para receber comida. Aproximei-me devagar, deixei um punhado de ração perto dele e, notando que tinha muito medo, afastei-me alguns passos para que comesse e para que eu pudesse observar.

Era uma cachorrinha esquelética, de pêlo embolado e sujo. Tinha secreção nos olhos, feridas no ventre e no peito e estranhos caroços nas costas. Estava faminta, mas muito mais apavorada - talvez estranhasse que alguém lhe estivesse oferecendo alimento.

Já havia avistado aquela coisinha miúda uma vez no parque, algum tempo antes, na companhia de um outro cachorrinho, parecido, mas ainda menor. Obviamente haviam sido abandonados ali. Não os tinha visto mais até aquele dia - e agora ela estava sozinha.

Voltei no dia seguinte, procurei por ela. Novamente ofereci comida e observei. Diferente de outros cães, de porte maior e já adaptados ao ambiente hostil do parque, aquele animalzinho estava ali certamente sobrevivendo de migalhas e passando a maior parte do tempo escondido. 

Era de cortar o coração.

Pequena demais, indefesa demais, machucada, talvez doente, era uma situação para a qual não há meio termo. Era resgatá-la e tentar ajudar ou saber que não teria a menor chance. Não sobreviveria mais que poucos dias, ali, naquele mato, competindo com cães muito maiores e exposta a todos os demais riscos do lugar. 

No dia 10 de Maio de 2010, aproximei-me com cuidado, segurei-a e a instalei numa caixa de transporte para gatos. Não sabia exatamente o que faria com ela, mas para o abandono ela não voltaria mais.

Na clínica veterinária, logo após ser retirada do parque

Do parque, direto para a clínica veterinária, onde constatou-se que, apesar de seu aspecto sofrível, tinha boa saúde. As feridas no ventre não aparentavam ser nada de mais sério (exames posteriores comprovaram que, de fato, não eram). E as pelotas que tinha nas costas, nada mais eram do que gigantescos carrapatos. Estava apenas desnutrida, suja e assustada.

Passou a noite na clínica e só no dia seguinte a trouxemos para casa. Ainda muito tímida, instalou-se no cantinho que lhe fora reservado. A idéia era tratar dela e encontrar-lhe um lar responsável, assim que fosse possível.

Logo, as feridas sararam, os carrapatos e pulgas foram embora, banho e tosa transformaram seu aspecto, alimentação, sossego e carinho revelaram seu temperamento doce, afável, carinhoso e quieto. Meg foi ficando, ganhando e comovendo a todos. E o assunto "encaminhar para adoção" foi silenciando, silenciando. Até que nunca mais se ouviu falar dele.


Meg vive, desde então, em permanente estado de celebração. Celebração pelas coisas mais rotineiras e cotidianas, pelo alimento e pelo conforto, pela brincadeira e pelo passeio, mas muito - muito! - acima disso, celebração por viver na companhia das pessoas que ama com devoção.

E a família habituada ao charme sutil, elegante e comedido dos gatos (gerações deles), passou a compreender que um cachorro é bem outra coisa - e que ama de um jeito muito diferente.



Não sabemos e jamais saberemos quantos anos a Meg tem - pode ter 5, 7 ou 10 -, nem quanto tempo passará conosco. Mas, independente disso, sua passagem por nossas vidas valerá por todos os cães que não tivemos antes dela.

Espetáculo de graça e de afeto. De obediência e de humildade. E, sobretudo, explícita na inocência de seus desmedidos gestos de amor, a expressão do sentido mais transparente e profundo de algo que nós, humanos, por pudor, nem sempre conseguimos demonstrar: gratidão.


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